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Divulgação científica: como transformar sua pesquisa numa boa notícia?

Atualizado: 19 de jun.

Todos os campos da ciência têm o desafio de se comunicar com o público mais amplo. Não apenas sobre seus achados, mas também sobre seus procedimentos e realidades cotidianas, seja para legitimar financiamentos, seja para intervir nos debates públicos. E esse é, também, um desafio de linguagem.

Na metade da graduação, uns 20 anos atrás, eu me interessei pelo jornalismo de divulgação científica. Com essa ideia na cabeça, consegui uma entrevista de rádio com o astrofísico Marcelo Gleiser. Levei para casa uma pilha de livros da biblioteca, li e me preparei por dias. Estava nervosa quando peguei no telefone do estúdio. Mas, sendo ele o grande comunicador que é, a conversa foi animada e pontuada com ideias interessantes. Depois, a transcrição cavou até um espaço no caderno cultural do jornal Valor Econômico.


Adorei esse feito. Adorei inclusive o momento em que o entrevistado revelou minha jovem ignorância, me perguntando a distância da Terra ao Sol. Eu nutria um fascínio escondido pelos fiapos das ciências que me tinham sido (mal) apresentadas na escola, mas só mais tarde me assumi "nerd", neurodivergente e permacultora, e aprofundei meus interesses amadores e apaixonados pela astronomia, pela geologia, pela biologia evolutiva, pela botânica e pelas ciências naturais em geral. Agora eu sei: o Sol está a uns 150 milhões de km, ou 8 minutos-luz (mas acabei de checar de novo antes de publicar).


Earthrise (nascer da Terra), icônica fotografia do astronauta William Anders, da missão Apollo 8, em 24/12/1968. Feita durante o primeiro voo tripulado ao redor da Lua, foi um marco na campanha midiática e geopolítica que levou ao primeiro pouso lunar, em 1969, e foi mais tarde considerada "a mais influente fotografia ambiental" da história.


Todos os campos científicos têm o desafio de se comunicar com o público mais amplo. Não só sobre seus resultados, mas também sobre seus procedimentos e realidades cotidianas. Seja para legitimar financiamentos, seja para intervir nos debates públicos relacionados com os seus objetos. Afinal, uma fatia importante da pesquisa científica se faz com verba pública; e todo tipo de pesquisa, seja privada ou não, seja aplicada ou teórica, se realiza em nome do interesse público maior.


A divulgação e inclusão científica são instrumentos necessários para o exercício da cidadania de um modo geral. Além disso, o artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que consigna o Direito à Cultura, afirma: “Toda pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam”. Nesse espírito, o acesso aos processos e aos frutos do fazer científico é em si entendido como um direito democrático, e a comunicação científica é uma condição (e a própria efetivação) desse direito.


É portanto inestimável o papel e o valor social das editorias de ciência na mídia ampla, assim como dos veículos de divulgação científica dos mais diversos escopos: das revistas mais tradicionais aos canais universitários de rádio, tevê e jornalismo online e impresso, que não raro dedicam grandes segmentos de programação à divulgação das pesquisas realizadas nas respectivas instituições; passando por inúmeros sites e blogs e chegando, claro, aos bons canais de ciências no YouTube dedicados aos mais variados campos e nichos, em virtualmente qualquer língua, com audiências pequenas, médias e gigantescas.


Como revisora acadêmica, tenho orgulho de também ocupar hoje uma função relevante na paisagem das universidades, que são o próprio ambiente onde se produzem — e se comunicam — as ciências. Pesquiso e reviso mais intensamente nas ciências humanas e sociais, mas faço questão de me manter em contato também com as áreas naturais e exatas.



Já como pesquisadora de Sociologia da Educação, em 2022 eu precisei redigir, com meus colegas Elie Ghanem (meu marido, e meu parceiro no Ceunir-Feusp) e Fabio de Oliveira Nogueira da Silva (pesquisador do CEstA-FFLCH-USP, aliado de longa data dos Guarani da capital de São Paulo, e nosso amigo estimado), um release colocando em linguagem mais acessível os nossos resultados de pesquisa. Foi quando o artigo "Escolha de saberes a ensinar na escola indígena: dois casos guarani em São Paulo" (Cadernos de Pesquisa, v. 52, 2022) deu notícia no blog de ciências humanas da SciELO.


O texto que enviamos para publicação no blog era intitulado "Escolas indígenas decidem localmente o que ensinar — com protagonismo docente, mas frágil autonomia":



Como fizemos para transformar um pensamento longo e complexo, formulado em linguagem sociológica especializada, num texto que todo mundo quisesse ler?


O primeiro passo foi retomar o próprio artigo e fazer uma seleção das frases e parágrafos mais expressivos e estratégicos para descrever, resumidamente, a pesquisa e os resultados. Mas esse primeiro corte ainda passava longe de uma leitura prazerosa ou instigante.


Ainda que os dois textos tratassem da mesma cosa, as diferenças entre os gêneros do artigo científico e da reportagem são enormes: de estrutura, de tamanho, de tom e linguagem, de público e objetivo etc. Não dá para começar do mesmo jeito; não é possível avançar argumentos no mesmo ritmo; não se usa o mesmo vocabulário e estilo, embora a reportagem ainda mantenha um registro formal erudito e empregue, com a modulação adequada, o léxico especializado da área.


Na imagem abaixo, você pode ler os parágrafos de abertura do release (chamados de lide, um elemento crucial para a funcionalidade do texto jornalístico e para o engajamento do leitor no restante do conteúdo). Já o resultado na íntegra está publicado aqui.



Concluída a versão final do texto, faltavam os outros elementos de destaque. Abrimos a galeria do celular e escolhemos algumas fotos de nossas visitas mais recentes às aldeias de Bertioga e do Jaraguá. Criamos títulos mais atraentes, costuramos uma chamada breve e mais impactante para a capa do site e, a pedido dos editores, transpusemos as palavras-chave do artigo para uma lista de hashtags.


Relendo hoje os dois textos, vejo que o release de divulgação apresentou certas ideias numa formulação até mais avançada do que as do artigo. Talvez seja graças aos imperativos da concisão e da compreensão pelo público geral. Tomo como mais uma indicação de que escrever com simplicidade muitas vezes eleva a qualidade do próprio pensamento, não reduzindo mas sim refinando o argumento desenvolvido.



Quando publico aqui sobre os trabalhos que reviso, traduzo e formato, adoto esse mesmo espírito de difusão, mesmo que o alcance da minha plataforma seja mais modesto. Todo estudo em que intervenho me engaja ou me encanta de algum modo, e a divulgação do meu próprio trabalho textual é também uma oportunidade de relatar e valorizar as contribuições peculiares desses textos que eu tenho o privilégio de ler (e fortalecer) em primeira mão. Aqui, tenho inclusive mais liberdade para explorar a história por trás da pesquisa, e os significados pessoais do tema para mim e para os autores. As publicações mais recentes que fiz nessa linha foram sobre esta dissertação em Arqueologia Histórica, sobre esta tese em Ciência Política e sobre esta dissertação em Educação e Territorialidade.


Se você também foi convidado a divulgar sua pesquisa em linguagens mais acessíveis, conte comigo para receber todo o suporte textual nessa importante tarefa. Você conquistou o domínio técnico do seu campo de estudos, a ponto de produzir resultados relevantes; agora, recebendo apoio profissional no domínio linguístico (que é o meu campo de estudos), esses resultados podem repercutir além dos "muros" do seu laboratório.





PELLEGRINI, Diana, GHANEM, Elie; NOGUEIRA DA SILVA, Fabio de Oliveira. Escolas indígenas decidem localmente o que ensinar com protagonismo docente, mas frágil autonomia [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, out. 2022. Disponível em: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2022/10/31/escolas-indigenas-decidem-localmente-o-que-ensinar-com-protagonismo-docente-mas-fragil-autonomia/.


GHANEM, Elie; NOGUEIRA DA SILVA, Fabio de Oliveira; PELLEGRINI, Diana de Paula. Escolha de saberes a ensinar na escola indígena: dois casos guarani em São Paulo. Cadernos de Pesquisa, v. 52, Artigo e08644. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198053148644.

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