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Ensino superior indígena: resumos em baniwa, tukano e yegatu

Atualizado: 15 de jun.

O Brasil respeita o direito dos povos indígenas à Educação Superior? Ou, se você fala yegatu: Brasil urespetari upitasuka sá maku tayara tayunbueramã turusu?

Essa pergunta é o título do artigo bilíngue que publiquei em 2021 com Elie Ghanem e Antônio Fernandes Góes Neto, no dossiê "Experiences of Alternative Higher Education" encartado na revista Educação & Realidade, editada pela UFRGS. O subtítulo: "Demanda, oferta e ensaios alternativos em São Gabriel da Cachoeira, AM".


Publicado em duas versões (inglês e português), o texto apresentou ainda o resumo em outros três idiomas locais: o yegatu, o tukano e o baniwa, línguas cooficiais desse município situado no alto rio Negro.



No artigo, nós traçamos um panorama exploratório das oportunidades de educação superior para estudantes indígenas em São Gabriel até o ano de 2020, e analisamos especialmente duas licenciaturas que ensaiam modelos alternativos de ensino intercultural. Nessa importante cidade do noroeste amazônico, mais de 90% da população é indígena.


Além do aspecto científico que me engaja como pesquisadora nessa área, dois aspectos linguísticos do artigo também me entusiasmaram muito: a mencionada tradução do resumo para as três línguas indígenas, e a tradução ao inglês de alguns trechos da dissertação da antropóloga baniwa Francineia Fontes.


Verter o resumo dos artigos, teses e dissertações que tratam de questões indígenas às línguas das etnias tematizadas é uma tendência crescente em todas as áreas de pesquisa. Essa política textual favorece o desenvolvimento dos idiomas indígenas escritos, assim como a sua valorização nos meios acadêmicos. Além disso, facilita a difusão dos resultados nas comunidades envolvidas.


Entre seus serviços, a BravaPalavra viabiliza a contratação de tradutores indígenas para colaborarem com pesquisadores interessados, vertendo esses textos (e outros materiais científicos, técnicos, legais, didáticos ou artísticos) aos seus idiomas.



Na imagem acima, o resumo do nosso artigo naquela que foi historicamente chamada de língua geral amazônica: o nheengatu, ou "yegatu" em outras grafias. A versão foi feita pela liderança baniwa e cientista política Maria do Rosário (Dadá) Piloto Martins. Uma parcela importante do povo baniwa é falante do yegatu.


Já em baniwa, idioma falado por cerca de 6 mil pessoas na calha do Içana brasileiro (afluente do alto rio Negro) e por outros milhares de indivíduos na Colômbia e na Venezuela, a pergunta do título é: "Brasil Itañeeta Namakaa Nhaa Nawikinai Ikadzeetaakakhetti Nako Naikanami Dalipheena?".


E, na língua tukano - com outros 7 mil falantes, concentrados na bacia do Uaupés, principal afluente do alto Negro: "Brasil Di’tá Wiôpehsa Yã’ti Po’terikharã Naã Bu’emhuãnukãsere?".


Em 2022, essas três línguas (às quais depois se juntou o yanomami) foram reconhecidas junto com o português como idiomas cooficiais do município de São Gabriel, numa política pioneira, desde então replicada em outras cidades brasileiras com forte presença indígena.



A tradução ao tukano (primeiro bloco da imagem acima) foi feita pela professora tukana Mirlene Gentil, nascida no distrito de Pari Cachoeira, mas hoje residente na sede urbana de São Gabriel. E a versão em baniwa (segundo bloco) foi feita por Eliane Claudio Guilherme, estudante baniwa originária de Tunuí, no Içana, hoje cursando a graduação em biologia na Universidade Federal de São Carlos, em SP.


Publicar nesses idiomas tem seus desafios técnicos, capazes de tirar da rotina toda uma linha de produção editorial. Um exemplo são os caracteres atípicos em português, como o ʉ do tukano ("Bu’emhʉãnʉkãsere") e o ẽ que anasala o próprio nome do idioma "yẽgatu". A revista cuidou com esmero dessas sutilezas.



Já quando produzimos a versão integral do artigo em inglês, o desafio foi outro: traduzir, com atenção redobrada, as palavras e reflexões do português indígena ao idioma internacional.


Tive prazer em ponderar as soluções para verter as falas anotadas em campo, além dos expressivos trechos de Francineia Bitencourt Fontes, antropóloga baniwa que defendeu em 2019 a provocativa dissertação Hiipana, Eeno Hiepolekoa: Construindo um pensamento antropológico a partir da mitologia Baniwa e de suas transformações, no Museu Nacional da UFRJ, sob a orientação do etnólogo Eduardo Viveiros de Castro.


Abaixo, um dos trechos passados ao inglês.



Em seu argumento, o artigo situa a reivindicação indígena pelo acesso universitário no Brasil, à luz do direito humano à educação ao longo da vida, e na perspectiva da descolonização orientada pelo protagonismo intelectual indígena contemporâneo. Descrevemos como a crescente entrada de estudantes indígenas na graduação, na pós e nas vagas docentes, em diferentes modalidades de curso e variadas políticas de acesso e permanência, vem tensionado o modelo hegemônico de universidade.


Mas, apesar desses avanços pontuais, o caso de São Gabriel ilustra como a oferta de soluções - confirmando nossa hipótese - é muito insuficiente diante da importância demográfica e política da demanda dos povos originários pelo acesso ao ensino superior no País, um direito que está longe de se cumprir.




PELLEGRINI, Diana de Paula.; GHANEM, Elie; GÓES NETO, Antônio Fernandes. O Brasil respeita o direito dos povos indígenas à educação superior? Demanda, oferta e ensaios alternativos em São Gabriel da Cachoeira/AM. Educação & Realidade, v. 46, n. 4, p. e118188, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/edreal/a/zK83mnYZK8ZTRFdhQBpHRMx/?lang=pt#.

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