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Arqueologia amefricana em Porto Velho: uma dissertação escrevivida

Atualizado: 12 de jun.

Alyne Rufino dos Santos traz à luz o protagonismo das populações negras diaspóricas na fundação da capital de RO — aprofundando não só a identidade do lugar, mas o tratamento canônico das noções de "patrimônio" em Arqueologia.

— E você, também pesquisa? Quer saber como podemos qualificar sua produção textual?


Já faz uma década que conheci a arqueóloga Alyne Mayra Rufino dos Santos, em 2014. Eu fazia um estágio de mestrado em Porto Velho, na Universidade Federal de Rondônia (UNIR), e aceitei um convite para visitar as escavações perto da antiga cachoeira do Teotônio: um lugar de pesca e habitação milenar, recém-engolido pelas usinas de Jirau e Santo Antônio.


Alyne estudava na primeira turma da graduação de Arqueologia da UNIR — um curso criado, justamente, como parte das sempre insuficientes compensações pelo impacto das usinas — e fazia parte da equipe que me ensinou a peneirar terra à cata de informação sobre a ocupação humana ancestral daquela região, na forma de minúsculos resquícios milenares de carvão, cerâmica e lascas de pedra.


Desde essa época, ela alia as pesquisas de campo a um intenso engajamento político e científico na educação patrimonial e na gestão pública dos bens arqueológicos.


Durante nossa amizade, acompanhei a entrega de seu TCC sobre a educação das populações locais no enfrentamento ao tráfico arqueológico; comemorei suas nomeações para chefiar equipes de arqueologia na secretaria estadual de cultura e no Museu da Memória Rondoniense; celebrei seu ingresso no corpo docente da graduação em Arqueologia da UNIR; e apoiei sua mobilizadora campanha para a vereança em Porto Velho.


Por isso, também foi uma alegria quando ela ingressou no mestrado, quando vibrei junto com outros amigos e colegas durante a defesa e, claro, quando tive o privilégio de revisar e formatar o texto final da dissertação.



Com bibliografia e metodologia altivamente "amefricanas", a pesquisa Percorrendo caminhos de aquilombamentos urbanos: visibilizando o patrimônio cultural arqueológico associado à coletiva humana amefricana em Porto Velho identifica o protagonismo histórico e a herança presente das populações negras diaspóricas na fundação e na identidade social da capital rondoniense, desde as levas migratórias nacionais até os grupos vindos do Caribe para trabalhar na construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.


Para enquadrar esses temas, o trabalho atualiza conceitos de pensadoras brasileiras e negras como Lélia Gonzalez ("amefricanidade"), Carla Akotirene ("interseccionalidade"), Beatriz Nascimento ("aquilombamento") e Conceição Evaristo ("escrevivência"), além dos estudos culturais do jamaicano Stuart Hall; e de pensadores decoloniais e contemporâneos como a estadunidense-equatoriana Catherine Walsh e a afro-portuguesa Grada Kilomba.


Foi pesquisando as obras desta última que, num feliz acaso, eu descobri — e, mais tarde, traduzi ao português, com legendagem de João Caingang — uma incrível videoarte sobre escrita e identidade, que já se tornou uma das inspirações e referências intelectuais mais alinhadas com a missão da BravaPalavra! O vídeo renovou meu sentimento de vocação no trabalho com o texto, para fortalecer os autores e autoras não só no seu domínio dos padrões cultos, mas também no seu senso de autoria, autonomia e autoestima linguística.



Encarnando de fato essas opções teóricas no seu texto, Alyne fez uma intensa exploração vocabular, afirmando suas posições por meio das escolhas de linguagem e de léxico. A "escrevivência" da arqueóloga — um termo da aclamada linguista, professora e romancista Conceição Evaristo para descrever a imbricação entre vivência e criação escrita na sua experiência de autora negra — não poderia deixar de se expressar numa voz própria, cuja revisão demandou da minha parte um rigor aberto à inovação, baseado em muita pesquisa, e cercado de especial atenção às sutilezas semânticas e políticas da intenção autoral.


Um exemplo desse cuidado é o tratamento da linguagem inclusiva de gênero no decorrer do texto. Como é comum, a escrita original trazia muitas soluções diferentes para as flexões de gênero, refletindo a preocupação (cada vez mais disseminada nas universidades brasileiras) de politizar a língua nesse sentido, mas tateando na busca da melhor forma de realizar essa intenção. A banca havia solicitado a adoção de uma solução única; mas essa saída deixava a leitura visualmente carregada e, assim, menos acessível. Reunindo fontes e debates nesse campo, eu e Alyne alcançamos um formato mais flexível e natural. Como resultado, sua primeira nota de rodapé informa:


[...] faço livre uso de um conjunto de táticas de linguagem neutra ou inclusiva em termos de gênero, adotando por vezes a flexão em dois gêneros, por vezes o chamado 'sistema elu' [...], e por vezes o plural convencional da norma culta. A variação se justifica em nome da fluência e da expressividade do texto. Evitando o efeito de peso ou monotonia que viria da aplicação intransigente de uma única tática, espero sobretudo manter acessível a muita gente a leitura desta pesquisa, demarcando ao mesmo tempo a atitude inclusiva que também sustenta o seu pensamento.

Mapeando quilombos na paisagem urbana de Porto Velho


Ao longo da dissertação, lindas ilustrações de época, colorizadas com primor, registram o cotidiano das populações pesquisadas. E as belas fotos atuais, produzidas pela autora e sua equipe de estudantes durante a pesquisa, dão o testemunho presente da contribuição cultural e da resistência viva desses coletivos diaspóricos nas construções, na vegetação e na paisagem humana de Porto Velho.



Esses achados ilustram de perto as lentes teóricas amefricanas empregadas, e são interpretados nas suas chaves. Assim a autora define, por exemplo, o neologismo "aquilombamento" (p. 26):


[...] muitas lideranças do movimento negro compreendiam quilombo como [...] um centro da resistência negra formado em reação ao sistema escravagista. Essa ideia de quilombo se transfere, no século 20, para as favelas, os terreiros de religiões afro-brasileiras, as organizações de movimentos negros e as escolas de samba. O termo assume um significado amplo de resistência negra, para além dos espaços físicos. [...] Ideologicamente, [quilombo] é a ideia de que a pessoa negra é um sujeito dentro da sociedade; é a ideia de que corpos negros e sujeitos negros têm o direito ao espaço que ocupam dentro do sistema [...]. É nessa lógica que Beatriz Nascimento afirma e declara, "A terra é meu quilombo. Meu espaço é meu quilombo. Onde eu estou, eu estou. Quando eu estou, eu sou".

Desde 2023, Alyne ocupa a Superintendência do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em Rondônia, uma conquista orgulhosamente noticiada por suas duas instituições de origem: a alma mater UNIR (veja a notícia) e a UFS, Universidade Federal de Sergipe (onde ela defendeu o título de mestre e hoje cursa o doutorado, sempre sob a orientação conjunta de Fernando José Ferreira Aguiar e Juliana Rossato Santi).


Tenho certeza de que essa trajetória tem muitos outros grandes passos pela frente, num trabalho que continuamente alia ciência, política, gestão pública e educação. Alyne Rufino dos Santos é uma das autoras que tenho a honra de apoiar e acompanhar, não só como sua revisora (e sua amiga), mas também como sua leitora e aprendiz.



— E você, também escreve? Entre em contato para receber suporte integral à sua produção acadêmica.





RUFINO DOS SANTOS, Alyne Mayra. Percorrendo caminhos de aquilombamentos urbanos: visibilizando o patrimônio cultural arqueológico associado à coletiva humana amefricana em Porto Velho, RO. 2023. Dissertação (Mestrado em Arqueologia, Patrimônio e Sociedade) — Universidade Federal de Sergipe, Laranjeiras, 2023.


RUFINO DOS SANTOS, Alyne Mayra. De colecionadores a ladrões de raio: comercialização e tráfico de peças arqueológicas. 2015. Monografia (Graduação em Arqueologia) — Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, 2015.

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Guest
Jun 04
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Alyne Mayra Rufino dos Santos, é uma pessoa ímpar em todos os sentidos, como pessoa humana com intelectual como superintendente. Alyne é dez

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